Talvez cansado de tanto castigar, o sol decidira amenizar o calor no meio-dia daquela segunda-feira comum, escondendo levemente a intenção de fazer chover. Indiferente aos auspícios do tempo, a mulher estacionou o carro diante do muro baixo do cemitério à margem da rodovia que afasta a cidade dos olhos. O ônibus alugado despejava a dor de uns poucos parentes e amigos, que seguiam em cortejo acanhado rumo ao território dos mortos.
Tentando organizar pensamentos e sentimentos na mesma prateleira ilusória, ela não se sentia parte daquela dor. O que julgava saber sobre a morte a mantinha num certo distanciamento sensível. Uma presunção de lucidez que a protegia e consolava. Enquanto seguia o cortejo pelo caminho irregular de terra solta, cercado de mato ralo e pedregulhos, perdia o olhar pelos confins daquele cenário melancólico.
Desviando, quando possível, de lamaçais esquecidos pelo inverno, espiava em volta o desamparo riscando durezas pelo ar. O cemitério dos pobres da cidade era fecundo em tragédias corriqueiras. Contava histórias daqueles que nasceram sob o signo do abandono, da impossibilidade. Seu silêncio não celebrava a paz do descanso eterno, mas gritava a dor da renúncia.
Enternecida, a mulher fixou atenção à direita do caminho torto por onde se arrastava o cortejo. Jamais vira tantas sepulturas pequenas, destinadas a crianças, enfileiradas em seqüência. Todas semelhantes, de madeira pintada em azul com uma pequena cruz no alto. Tantas crianças mortas num mosaico que elucidava o quando mata a pobreza. A morte precoce levada a cabo de tantas formas quantas a desigualdade pode produzir.
Perdas contadas ali pelos caminhantes do cortejo. Cada um tinha uma ou duas para lembrar. Em cada sepulcro infantil uma história de privação e dor. O descaso no atendimento de saúde, a falta de socorro na madrugada chuvosa, a desnutrição pela fome, a surra violenta pelo pai alcoólatra, o afogamento nas águas sob a casa na ressaca, o acidente doméstico na ausência constante de cuidados.
Enquanto carimbava em sua alma as fileiras de mini sepulcros, a mulher mantinha sob os olhos o rosto do menino morto, fechado no esquife à sua frente. Seus pensamentos buscavam respostas, ao mesmo tempo em que fugiam delas. Seus sentimentos resgatavam abraços, afagos e conversas com significados. Manifestavam a intenção da saudade ali naquele lugar de despedidas.
Na última cova da última fileira perto da mata, um barro pegajoso de cor forte era removido com presteza. A mulher permanecia em silêncio, não se sentia capaz de interagir com a dureza daquelas horas. Apenas afagava um ou outro rosto, levava a mão timidamente ao ombro arqueado de alguém ou a estendia para um consolo possível. Aproximou-se quando o pastor evangélico convocou os presentes para uma oração.
O que pedir? Quanto agradecer? O que rogar?
Tentando organizar pensamentos e sentimentos na mesma prateleira ilusória, ela não se sentia parte daquela dor. O que julgava saber sobre a morte a mantinha num certo distanciamento sensível. Uma presunção de lucidez que a protegia e consolava. Enquanto seguia o cortejo pelo caminho irregular de terra solta, cercado de mato ralo e pedregulhos, perdia o olhar pelos confins daquele cenário melancólico.
Desviando, quando possível, de lamaçais esquecidos pelo inverno, espiava em volta o desamparo riscando durezas pelo ar. O cemitério dos pobres da cidade era fecundo em tragédias corriqueiras. Contava histórias daqueles que nasceram sob o signo do abandono, da impossibilidade. Seu silêncio não celebrava a paz do descanso eterno, mas gritava a dor da renúncia.
Enternecida, a mulher fixou atenção à direita do caminho torto por onde se arrastava o cortejo. Jamais vira tantas sepulturas pequenas, destinadas a crianças, enfileiradas em seqüência. Todas semelhantes, de madeira pintada em azul com uma pequena cruz no alto. Tantas crianças mortas num mosaico que elucidava o quando mata a pobreza. A morte precoce levada a cabo de tantas formas quantas a desigualdade pode produzir.
Perdas contadas ali pelos caminhantes do cortejo. Cada um tinha uma ou duas para lembrar. Em cada sepulcro infantil uma história de privação e dor. O descaso no atendimento de saúde, a falta de socorro na madrugada chuvosa, a desnutrição pela fome, a surra violenta pelo pai alcoólatra, o afogamento nas águas sob a casa na ressaca, o acidente doméstico na ausência constante de cuidados.
Enquanto carimbava em sua alma as fileiras de mini sepulcros, a mulher mantinha sob os olhos o rosto do menino morto, fechado no esquife à sua frente. Seus pensamentos buscavam respostas, ao mesmo tempo em que fugiam delas. Seus sentimentos resgatavam abraços, afagos e conversas com significados. Manifestavam a intenção da saudade ali naquele lugar de despedidas.
Na última cova da última fileira perto da mata, um barro pegajoso de cor forte era removido com presteza. A mulher permanecia em silêncio, não se sentia capaz de interagir com a dureza daquelas horas. Apenas afagava um ou outro rosto, levava a mão timidamente ao ombro arqueado de alguém ou a estendia para um consolo possível. Aproximou-se quando o pastor evangélico convocou os presentes para uma oração.
O que pedir? Quanto agradecer? O que rogar?
Um comentário:
Lindo... lindo... lindo...
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