23 de out. de 2011

Fotografia em sepia

De onde vem a verdade da gente? A pergunta deslizava do olhar castanho da mulher, em direção a vidraça da porta larga, através da qual se via um jardim sem flores. Do lado de fora do hotel fazia um tempo confuso, antecipando chuvas de inverno em plena estação do equinócio. Será que essa confusão do tempo se estende pra dentro da gente? Pergunta fugidia que ela se faz quando não consegue alcançar a sabedoria das coisas.
Ainda assim o fim de tarde era belo. Havia uma cor dourada de sol rastreado solvendo o ar. Pudesse parar o tempo ali, naquele tom mais sepia entre as 17h30 e uns dez minutos depois, tudo estaria resolvido. Era assim que ela encontrava pausa para as controvérsias instaladas em seu coração, na beleza das cores do dia, na lindeza dos recortes tridimensionais do cotidiano transformados em telas na sua fotografia mental.
Quisera ter instaladas nas retinas minúsculas câmeras fotográficas. Costumava brincar de fazer fotos ao piscar os olhos quando enquadrava as cenas num relance. Como na cena onde o velho homem pisa devagar a faixa de pedestres, olha para o outro lado da rua como quem mede o impossível e fixa seus olhos cansados na mão de luz verde e nervosa do sinal. O velho num canto, a sinaleira implacável no outro e a aba cor de areia do chapéu dela feito moldura antiga.
Onde está a verdade das coisas? Se mesmo a beleza, nascida para ser eterna, se perde em fragmentos? Onde está a conexão entre um belo quadro e outro da vida da gente? Espalhando perguntas ébrias ela permanecia sentada no banco alto de madeira nobre, diante do balcão que circunda palmeiras reais. Queria apenas que o telefone celular não tocasse, que ninguém a cumprimentasse querendo assunto, que nada a tirasse do torpor do fim de tarde.