14 de dez. de 2011

Meias de seda

Não haveria nada de leve naquela narrativa. Iniciava-se diante do homem impassível, sentado na cadeira escura da sala que cheirava a mogno lustrado. Sobre os ombros dela, a echarpe cor de rosa pendia zelosamente por cima da gola do casaco azul de sarja. Enquanto ele esperava por suas respostas, ela pensava no sabor das bananas amassadas com leite e açúcar que comera antes de sair de casa.
Sempre que lhe era exigido compor pensamentos mais sólidos sobre si mesma, trazendo à tona reflexões elaboradas a respeito de sua própria trajetória de vida, algo de infantil a reconfortava, como a lembrança do sabor das bananas. Sentia-se fragmentada, e reunir seus pedaços para expressar algo mais consistente se fazia um esforço cognitivo imensurável. Daí a decisão de estar ali, semanalmente, diante daquele homem confidente.
Paradoxalmente sentia-se velha, mais velha que sua própria existência presente. Gostava de pensar que sua alma cheirava a talco perfumado com fragrância de flores, enquanto havia um continente deserto de segredos em seu coração. As gavetas da alma velha estavam abarrotadas de mágoas disfarçadas por meias de seda. E após a meia-noite, sempre após, elas doíam por toda a extensão do peito, num silêncio moribundo de solidão.